Texto coletivo: Sabrina Lopes, Stéfano Belo, Mariana Zimmermann, Clarissa Oliveira, Cris Bach, Ricardo Nolasco, Semy Monastier, Guilherme Marks.
QUARTA-FEIRA DE CINZAS, 22/02, 17H, HAVERÁ
GORDICE NA FONTE DXS POMBXS, LARGO DA ORDEM
Sou carne gorda latejante pululante bacante
ensadecidx na lápide sacrificial. Meus braços de entidade negra que dançam
ferozmente, meus seios endiabradxs gritam por umx corpx sem orgãos, farra do
boi, espeto: sou chutadx e me sinto regozijadx por despertar o mais podre
nelxs. Não se brinca com quem tem chifres. Eu tenho. Eu continuo avançando e
sonhando com o dia em que “A violência
sairá do território sacro-diabólico para servir profanamente aos ideais
redentores daqueles que ganham sua voz enquanto o sangue do algoz escorre” e
eu marche com a minha própria bandeira em riste, a minha própria linha
xamânica, o brado do indivíduo.
Dia 29/01, dia de nhoque, dia do
orgulho gordo, dia abundante e caudaloso. Eu não quero que me digam, “Sim,
você é gorda, mas você é linda por dentro”. É apenas mais um jeito de me dizer
que sou feia, que de jeito nenhum eu sou bonita por fora. Ser gorda não é igual
a ser feia, não me venha com essa. Meu corpo sou eu. Eu quero que você veja meu
corpo, conheça meu corpo. A verdadeira revolução vem não de quando a gente
aprende a ignorar nossa gordura e fingir que não somos diferentes, vem de
quando aprendemos a usar isto em nosso favor, quando aprendemos a desconstruir
todos os mitos que propagam o ódio axs gordxs. Se fazer gordice é praticar a liberdade do gozo, e se para fazer
gordice é necessário ser gordx, não me inveje: engorde.
No carnaval, todos os discursos se
igualam. O meu e o de quem vai para não abrir alas, superior o ano inteiro. Sua
permissão para eu sentir prazer: os olhares reprimem sobre xs gordxs quando
comemos em público, mas buzinam quando atravessamos, sim, a cidade de bicicleta
e nos repreendem também quando dançamos. O que mata é a dieta, não a gordura.
Não obedecerei os e as repetidores e repetidoras e repetidores e repetidoras de
padrão. A mensagem que estão me
passando é a seguinte: “Se você engorda, é porque não consegue controlar seu
desejo repugnante, e será punidx por isso com doenças horríveis e a morte.”
Quem precisa de religião quando temos a patrulha antigorda para controlar nosso
comportamento? Não é preciso mais ameaçar as pessoas de danação, apenas
convencê-las de que nunca vão morrer ou ficar doentes se elas forem magras. (Ou
se forem Falcons ou Suzies ou Barbies, com músculos de borracha ou cinturinhas
esculpidas com espartilhos doentios - que importa danificar a coluna se for
para sua coleira caber na sua cintura? Arrancar costelas também vale! Estranhas
são as mulheres-girafas africanas, com argolas no pescoço. Do lado de cá, todxs
normais...) E isso tem um poder assustador. O vômito bulímico cheira
bem. A privação é aceita. Gordura, jamais.
((Também é acusado de doente todo
corpo não grego, aquelx que não pode comer o que come tendo o corpo que tem.
“Por que você não engorda? Por que você não come? Ah não, você vomita né? Seus
joelhos são tortos.”
Sou magricela, meus joelhos são tortos, eles são roxos e eu me bato
facilmente mas não largo as armas. Não largarei os sprays, não largarei as
colas e as ocupações independentes do tamanho da arma que me leva para todos os
lados. Continuarei a tatuá-la, a demarcá-la, a singularizá-la e a posicioná-la
perante as pessoas que me discriminam. A cor do meu cabelo, o desenho na minha
pele, a posição dos meus dentes. Coitadinhxs dxs que perderam o Carnaval, a
verdadeira comunhão erótica que ele traz.
Me reservo e anonimamente faço minha revolução.))
A liberdade de ser o corpo e de
sentir prazer sendo o corpo e de ser de fato o corpo, carregar o corpo, ter o
corpo como arma.Os olhares heteronormativos sofrem nossa dança inclassificável. Somos
julgadxs, mas seremos s a l v x s por Wilza ex-máquina. No carnaval as vozes individuais são ouvidas, florescem.
Minha carne em festa clama pelo
fogo das rumbeiras, redemoinho de paixão furiosa e te arrasto enlaçadx aos meus
pés. Nego o deus que não suporta excessos, mas manda ao fio da espada o filho
de Abraão. Minha revolução é grande e gorda, um rolo compressor de corpo
expandido. TODXS XS CORPXS SÃO PERMITIDXS. Gordx com x e com marshmallow. Gordx com caboclx e não brancx.
Peçam licença às entidades de matriz africana antes de usá-las como piada.
Falem em frente ax Stéfanx antes de chutar sua bunda. Encontrem motivos
engraçados para rir da nossa cara. Encontrem qualquer coisa que não seja um
pacote pronto para o seu conforto. Enquanto isso, no pré-carnaval de Curitiba,
riremos mais que vocês, como já dançamos mais. Não é para entender nosso riso
nem nossa dança. É para explodir os códigos que asseguram vossa superioridade. A
beleza foi moralizada. Relaxem. Estamos em guerra.
Meu corpo é meu campo de batalha.
E é nele que eu faço, eu danço, eu grito, brado a plenos pulmões. Eu faço a
revolução, e ela passa pelo meu corpo e se expande pelo mundo. Meu corpo é
lindo com todas as curvas, as retas, os deslizes, declives, gorduras, banhas
balançando. Eu faço gordice, eu amo a gordice que sou e jogo a gordura na cara do
mundo repressor. A violência é verbal, é psicológica, não só física. E eu
rebato a violência. Não vou dar tapas com pétalas de margaridas. Minha luta é
violenta como a violência que a sua repressão me impõe. E se mostrar meu corpo
gordo é atentado ao pudor, eu vou atentar o seu pudor até seus olhos saírem das
órbitas. Até, quem sabe, você consiga se libertar desse pudor, pois é ele quem
propaga todo o preconceito.
Vamos executar nossa coreografia
gordurosa para o deleite de seus olhos eletrônicos, mas jamais caleremos a boca
em padedê anoréxico diante de suas ofensas. Somos b a c a n t x s e m e
s t a d o d e g r a ç a
em estado de violação. Todo pudor deve ser atentado. A carne exposta
(abacaxis preciosxs balançam e quebram no chão), a carne cortada de quem sangra
para o Carnaval continuar, quem ainda vai ameaçar tacar pedra na Geni?, temos o
direito à volúpia! Temos a boca cheia de chantilly! Temos o direito à navalha
da vedete ameaçada! Choramos purpurina no bronze da tirania, mas enquanto isso
preparamos uma saborosa receita de bomba caseira.
Todo padrão de higiene é um padrão
de exclusão, e não de limpeza. Todas as formas de opressão trabalham juntas,
portanto elas devem ser combatidas juntas. Sentimos o mau cheiro e nos
orgulhamos de ter os nervos fortes! Só
nos trópicos poderia Dona Redonda Explodir! Somos os Monstros de Babalu,
bilíngues e ventrílocos. Ocupamos as ruas como glutões, glutonas, devoramos a
civilização. Tornamos tudo comestível. Dilatamos e nos misturamos, nossos corpos
não têm fronteira alguma e escorrem antioxidantes.